Dia 2 de novembro, somos convidados a rezar especialmente pelos mortos. Rezamos por todos os mortos, inclusive por aqueles de quem ninguém se lembra e caíram descaridosamente no esquecimento.
Na singela oração dos pastorinhos de Fátima, na experiência mística de diálogo com a Mãe de Jesus, na terceira aparição, quando lhes foi mostrado o horror do inferno, rezamos: Ó meu Jesus, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei as que mais precisarem. De que almas se está dizendo? Não há dúvida que se trata das almas que se encontram no purgatório, uma vez que as que se condenaram ao inferno, de lá nunca mais poderão sair.
Que é o purgatório? O catecismo da Igreja Católica ensina que o purgatório é um estado existencial entre a vida terrena e a felicidade eterna no céu, com o fim de plena purificação. Na verdade, para se encontrar com Deus é necessário que estejamos totalmente puros e não penetre no céu nenhuma sobra das manchas de pecado. No céu não há pecado. Não pode haver. Seria um contrassenso. Mas Cristo já não nos purificou com sua morte na cruz? Certamente. Totalmente. Porém a salvação deve ser acolhida, reconhecida, vivenciada. Mesmo depois de nosso batismo que nos lava de todos os pecados, podemos ainda cair outra vez em pecados e é necessário um contínuo ato de purificação já aqui na terra, na luta contra o mysterium iniquitates, conforme nos ensina São Paulo. Ao momento da morte, muitos se condenam porque se recusaram a aceitar a misericórdia de Deus, fecharam-se à graça, negaram-se a reconhecer o ato salvífico de Cristo que deu a sua vida por nós. Outros morrem na plena graça divina e já se encontram em perfeita posse de Deus e nem necessitam mais de qualquer purificação. Porém, há aqueles que mesmo tendo procurado o caminho do bem aqui na terra, mesmo tendo reconhecido o Cristo Salvador, morreram em pecados que precisam ser eliminados, pela força de Cristo Salvador, antes de entrarem para a perpétua presença diante de Deus. Deus é misericordioso para com estes.
O purgatório está na Bíblia? A palavra purgatório não se encontra na Bíblia, como tantas outras palavras legítimas e santas também não estão, como por exemplo a palavra “Santíssima Trindade”, nem a própria palavra “bíblia”. Porém o conceito sobre o purgatório se encontra em muitas partes tanto do Antigo Testamento, como do Novo. O livro dos Macabeus indica que já mesmo antes do nascimento de Cristo, os judeus acreditavam no valor da oração pelos mortos em estado de purificação. (II Mac. 12, 42-46). No evangelho de São Mateus, capítulo 5, afirma Jesus: “Entrem em acordo, sem demora, com o seu adversário, enquanto ainda estás em caminho com ele, para que não suceda que te entregue ao juiz e o juiz te entregue ao ministro e te seja posto em prisão. Em verdade eu te digo, dali não sairás antes de ter pago o último centavo” (cf. Mt 5,25-26). Esta é uma das imagens bíblicas do purgatório, entre outras. Entende-se assim, que há a possibilidade de pagar penas, para que se saia da prisão purificadora. O purgatório é lugar, ao mesmo tempo, de sofrimento e de esperança.
Rezemos pelos nossos mortos, pois eles rezam muito mais por nós, em seu “retiro espiritual” de penitência purificadora na preparação próxima para a entrada do eterno lar que Deus preparou para todos os que o amam.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora