Por que Jejuar? Tem sentido?

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Iniciando a quaresma, a Igreja propõe a seus filhos um dia de jejum e abstinência de carne. O preceito se repetirá para Sexta-Feira Santa, celebrando a doação total de Cristo que se ofereceu no sacrifício da cruz para salvar a pessoa humana da força degeneradora do pecado.

Jejum, segundo as orientações da Igreja, significa tomar uma única refeição maior durante o dia e, se necessário, alimentar-se mais um pouco em outra hora. Sentir a falta do alimento, experimentar a fome é o que se considera jejum.

A abstinência de carne, ou de outro elemento que lhe dê especial prazer ao paladar, é pedida para os dois dias referidos, mas aconselhada para todas as sextas-feiras do ano, podendo-se, neste caso, escolher outra penitência.

O jejum e a abstenção de alimentos saborosos, e outras mortificações, são costumes antigos em quase todas as religiões. Os místicos, os ascetas, os monges costumam sacrificar seus instintos, procurando autodomínio, educação e equilíbrio de seu corpo diante dos apelos do prazer. O costume faz bem até para o físico.

No cristianismo, tais práticas penitenciais têm ainda outro sentido mais sublime: unir-se ao sacrifício de Cristo e à vida de penúria de tantos irmãos que são continuamente privados do necessário para viver e ter saúde. Com Cristo, o fiel caminha os quarenta dias preparatórios para a Páscoa, reconhecendo seus pecados contra Deus e contra o próximo, buscando sinceramente se converter. A penitência vence o orgulho, regula a vaidade, alimenta a humildade e reforça o espírito.

Ao iniciar a quaresma, os cristãos de rito latino recebem sobre suas cabeças um pouco de cinza feita pela queima dos ramos bentos na Semana Santa do ano anterior. O costume também é antigo e tem profundo significado. Na Liturgia, teve início nos primeiros anos do cristianismo, tornando-se generalizado após o quarto século, e obrigatório a partir do século XI. A obrigação se refere aos sacerdotes de o promoverem, porém livre para os fiéis de o receberem.

O sentido das cinzas é forte. Recorda que somos frágeis e dependentes, em tudo, de Deus. Estamos vivos, mas a qualquer hora podemos estar mortos.

Reconhecer esta fragilidade não é algo negativo, mas muito positivo. Se a pessoa humana é frágil, sujeita ao pecado e à morte, Deus, contudo, é forte e grande na sua misericórdia e pode tirar das cinzas a força e da morte, a vida. Se Cristo sofreu a perseguição, a condenação, a maior e mais degradante injustiça jamais praticada na Terra, se foi torturado e morto, contudo não permaneceu no sepulcro, mas foi ressuscitado pelo Pai, na força do Espírito Santo.

A penitência, o jejum, a abstinência de carne não têm valor por si mesmos, mas têm sentido enquanto provoquem a conversão.

Papa Francisco costuma propor algumas regrinhas para ajudar esta metanoia. Para este ano ele indica quatro tipos de jejum: 1) o jejum das palavras negativas e dizer só palavras boas; 2) o jejum do descontentamento e encher-se de gratidão; 3) o jejum da raiva e encher-se de mansidão e paciência; 4) o jejum do pessimismo e encher-se de esperança e otimismo.

No Brasil, há mais de 50 anos, a Igreja celebra, nesta mesma ocasião, a Campanha da Fraternidade, que é uma forma de despertar para o sentido social da penitência. Trata sempre de um tema genérico, social e não preso a afirmações doutrinais, pois pretende ajudar a todos, cristãos ou não, a se unirem para a busca do bem comum, por meio das relações fraternais e pacíficas. Embora ela faça a coleta da solidariedade no Domingo de Ramos, esta não é uma campanha de dinheiro, mas de conscientização e de tomada de posição diante do desfio social que atinge a todos. No corrente ano, o tema da Campanha da Fraternidade é “Biomas brasileiros e defesa da vida”, e o lema: “Cultivar e guardar a criação” (Gên 2, 15).

A CF 2017 pretende propor ampla reflexão sobre a preservação da natureza, nos seis biomas do Brasil (Amazônia, Caatinga, Serrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas), pois os problemas ecológicos continuam graves, provocando verdadeiros desastres comprometedores da vida na face da terra.

Sacrificar nossos sentidos voluntariamente procurando o bem de todos, vencer o orgulho e converter-nos sinceramente, praticar a genuína caridade, eis o porquê do jejum e de toda mortificação feita a partir da fé em Jesus Cristo.

Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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