Entre a multidão de meio milhão de pessoas presentes na esplanada do Santuário de Fátima, a jornalista encontrou Fafá de Belém, que recebeu na Pia Batismal o nome de Maria de Fátima Palha Figueiredo. Perguntada sobre o que mais a emocionava, com olhos marejados de lágrimas e a voz presa na garganta, a apreciada cantora, compositora e artista respondeu: “o inexplicável”.
Não temos mesmo como explicar tudo. É inútil. As coisas mais importantes não são as racionais e palpáveis. Também a Bíblia, no Antigo e no Novo Testamento, está cheia de momentos inexplicáveis aos olhos e à imediatez da mente humana. Desde a passagem do Mar Vermelho a pé enxuto, até os milagres de Jesus, as explicações naturais são insuficientes.
O que emociona a cantora brasileira é tão inexplicável quanto o que sentia o pastorzinho Francisco, de 10 anos, que após ter passado pela experiência mística das aparições, mudara de tal modo seu comportamento que permanecia horas diante da presença Eucarística no tabernáculo, revelando que sentia Deus dentro de si mesmo, mas que não sabia como era. Tão inexplicável eram as palavras de Jacinta, de 7 anos, que revelava à prima Lúcia, que além de ver a Santíssima Virgem, vira também duas cenas especiais. A primeira era a visão dos pobres do mundo inteiro, como uma multidão de famintos sofredores que lhe causavam muita pena. A partir das visões, a pequena começou a ter comportamento diferente, passando a repartir sua merenda com as crianças mais carentes do que ela. A segunda cena visualizada por Jacinta foi a de uma grande multidão esperançosa que rezava com o Santo Papa, o Papa. Tal realidade ver-se-ia acontecer inequivocamente ao menos por seis vezes, uma com Paulo VI, em 1967; três outras com João Paulo II, em 1982, em 1991 e em 2000; outra ainda com Bento XVI, em 2010, e a atual com Papa Francisco, para celebrar o centenário das aparições e para canonizar os referidos meninos Francisco Marto e Jacinta Marto. São multidões que trazem a fé expressa em seus olhos, o amor vibrante em seus corações e a virtude da esperança inabalável em seu espírito, presididas pelo Sucessor de Pedro.
Paulo VI, na homilia em 1967, além dos clamorosos apelos pela paz, comentou sobre o flagelo da fome: “grande parte da humanidade encontra-se ainda em estado de indigência e de fome, ao mesmo tempo que nela se acha tão desperta a consciência inquieta das suas necessidades e do bem-estar dos outros. É por este motivo que dizemos estar o mundo em perigo. Por este motivo, viemos nós aos pés da Rainha da paz a pedir-lhe a paz, dom que só Deus pode dar”.
Referindo-se ao terrível atentado que sofrera na Praça São Pedro, aos 13 de maio de 1981, João Paulo II confidencia em sua primeira visita a Fátima, no ano seguinte: “Vi em tudo o que foi sucedendo – não me canso de o repetir – uma especial proteção materna de Nossa Senhora. E por coincidência – e não há meras coincidências nos desígnios da providência divina – vi também um apelo e, quiçá, uma chamada de atenção para a mensagem que daqui partiu”.
Dez anos depois, em 1991, volta o Santo Padre Woytilla a Fátima e proclamará: “Considero todo este decênio como dom gratuito que, de modo especial, devo à Providência divina. Foi-me concedido particularmente como um dever, para que ainda pudesse servir a Igreja, exercendo o ministério de Pedro”. Em outro momento dirá: “há dez anos fui introduzido na experiência de Fátima vivida pela Igreja. Isto aconteceu na tarde do dia 13 de Maio: o atentado à vida do Papa. (…) Sei que a vida, a mim concedida de novo há dez anos, foi-me dada pela misericordiosa providência de Deus. Não esqueçamos as grandes obras de Deus”.
João Paulo II volta ainda a Fátima em 13 de maio de 2000, quando beatifica os meninos Francisco e Jacinta. Na ocasião, disse em sua homilia: “Como no Evangelho Jesus deposita particular confiança nas crianças, assim também a sua Mãe, Maria, não deixou de reservar aos pequenos, ao longo da história, o seu carinho materno. Pensai em Santa Bernadete de Lourdes, nas crianças de La Salete e, em nosso século, nos pastorinhos de Fátima (…). É bem verdade: Jesus e a sua Mãe escolhem frequentemente crianças afim de lhes confiar tarefas grandes para a vida da Igreja e da humanidade. (…) O Redentor da humanidade parece partilhar com elas a solicitude pelos outros”.
Em 2010, dirá Bento XVI em sua peregrinação a Portugal: “Apraz-me pensar em Fátima como escola de fé com a Virgem Maria por Mestra; lá ergueu ela a sua cátedra para ensinar aos pequenos videntes e depois às multidões as verdades eternas e a arte de orar, crer e amar”.
Por fim, nestes dias do centenário, o Papa Francisco pregou na esplanada da azinheira: “nos congregamos aqui para agradecer as bênçãos sem conta que o céu concedeu nestes cem anos, passados sob o referido manto de Luz que Nossa Senhora, a partir deste esperançoso Portugal, estendeu sobre os quatro cantos da Terra”.
O inexplicável emociona e impulsiona para a verdade que salva e dá sentido à vida.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora