Chegamos ao final do mês de agosto, mês dedicado as vocações, um tema muito caro a Igreja. Do latim, vocare significa chamado – uma palavra que ainda remete dúvida e insegurança em algumas pessoas. No entanto, é de conhecimento geral que nossa vocação universal é a santidade. Partindo deste ponto traremos aqui um testemunho sobre o assunto.
Em 2019, um jovem juiz-forano parte para uma experiência transformadora em São Paulo (SP). Convidado pelo movimento religioso católico Missão Belém para colaborar na “Missão Cracolândia”, Nathan Asthon teve sua primeira experiência com Deus através da providência. Ele estava desempregado e sem dinheiro para viajar e participar da missão. “Tudo indicava pra que eu não fosse. Eu não tinha dinheiro, não tinha passagem, não tinha nada, né? Mas a providência de Deus ela é muito maior. Na manhã seguinte [dia de ir para São Paulo], não tinha arrumado ainda, não tinha nada, não tinha arrumado mala pra viajar, mas falei ‘vou lá’, algo que me incomodava o meu coração pra que eu fosse. Cheguei na rodoviária tinha uma mulher na minha frente e ela foi no guichê primeiro que eu. Logo que ela saiu descobri que ela tinha acabado de desistir da última passagem, mas o ônibus saia meio-dia”.
Às 10h40 da manhã, ele corre para casa, arruma sua mala e volta para a rodoviária. Na estrada é recordado pelo estômago que não havia se alimentado ainda, mas ele não tinha dinheiro. Um amigo ainda tentou depositar um dinheiro para ajuda-lo, mas ele não cairia na conta no mesmo dia. “Quando eu cheguei em Resende algo me incomoda, me incomoda muito pra eu abrir o aplicativo do banco no celular. Quando eu abri tinha setecentos reais na minha conta. Então ali eu já pude experimentar a providência divina, né?”, contou Nathan.
A missão consistia em evangelizar na Cracolândia, uma denominação comum para um dos principais problemas sociais da cidade de São Paulo, desde a década de 1990, quando uma área central da cidade passou ser ocupada por moradores em situação que rua, na sua maioria, por dependentes químicos e traficantes, geralmente de crack. No entanto, o trabalho missionário exigia a vivência da realidade daquele lugar.
Durante 14 dias, Nathan viveu no local, sem banho, pedindo comida, passando frio, apenas com um saco de lixo, duas coberturas e um cachecol. “Imagine você, filho de Deus amado, ser amigo das baratas, dos ratos. São os amigos que eles têm! A humanidade olha com julgamento para a pessoa com vício”, afirmou. Antes ele também era um daquele que criticava. “Eu era um cara nojento, essa é a verdade. Por exemplo, eu não comia na mesma colher que a minha mãe e lá, na Cracolândia, eu comi diversas vezes na mesma colher que um morador de rua, eu dividia marmita. Eu era muito orgulhoso”, contou ele.
Acolhimento do chamado
O filho da Comunidade de Aliança da Shalom relatou ter convicção de que ajudaria aquelas pessoas, contudo, às vezes, o servo é quem precisa de ajuda. “Eu precisava tocar aquilo para deixar a minha vaidade. Eu fui para a Cracolândia achando que faltavam coisas na minha vida, mas a cada partilha de um irmão, eu ia vendo que eu tinha tudo que não precisava de absolutamente nada. Todos os dias eu percebia o quanto eu era amado por Deus, e poder olhar para um cara totalmente drogado e dizer que ele também é amado, que você sabe disso e ele também precisa saber, é algo que não tem preço”, confessou.

Ele ainda contou que teve medo da realidade, pois há muitas drogas no local, a receptividade para conversas é pequena, muitos indivíduos chegam a estar transfigurados. Durante seu relato, Nathan chegou a comparar o lugar com o inferno e afirmar ser possível ver a ação do inimigo a todo tempo.
Em seu primeiro dia, um caso já o marcou muito. Uma mulher foi ao seu encontro, ela estava visivelmente sob efeito de drogas, e o abraçou forte, chorou e afirmou que ele se parecia com o filho dela. “Então ali eu lembrei da minha mãe. Ela falou que sentia saudade do filho e perguntei porque ela não voltava pra casa. Ela se afastou de mim e fez assim (gesticulou com as mãos), como quem diz ‘você chamaria uma mulher neste estado como mãe?’. Aquilo me impactou muito, porque eu via daquele abraço, naquele olhar, naquele choro, um pedido de socorro”.
Segundo ele, a experiência foi mudando seu pensamento, curando-o. “Eu rezava e dizia ‘eu não tenho nada’, mas naquele nada Deus me dava tudo”. Ao todo, a missão conseguiu convencer 100 pessoas a deixarem o local e irem para casas de acolhida.
Desafio diário a ser renovado
Tudo que foi experimentado o mudou. Ele já fazia parte da Comunidade Shalom, mas ele colocou sua vida a disposição dos irmãos. “Agradeço muito a Deus por ele ter me dado essa chance de olhar para os pobres, de parar diante de um cara que estava preso na Cracolândia e dizer: hoje eu quero dar a minha vida por essa pessoa; entregar tudo que eu tenho por ela”.
A partir do que foi vivido, o jovem de 29 anos concluiu que Deus não chama as pessoas para viverem uma experiência para si mesmos. A experiência precisa transbordar no nosso coração para que os outros tenham o desejo experimentá-la. Algo que ele parece ter conseguido fazer quando assumiu o mistério da promoção humana na comunidade. Um dos trabalhos realizados é a ação social com os moradores em situação de rua, em parceria com o Instituto Padre João Emílio.
Em seu testemunho também fala a outros jovens. “Quando Deus te escolhe e você diz não, você está dizendo ‘não’ a todos aqueles que Deus te confiou, é dizer não para a humanidade que sofre, que pede socorro”. E completa: “Às vezes estou cansado e entregando isso a Deus e ele fala ‘dê até a última gota’”.
O Concílio Ecumênico Vaticano II nos assegura que não existe filho de Deus sem uma chamada pessoal à santidade. “Todos os cristãos, seja qual for sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor, cada um no seu caminho, à perfeição da santidade pela qual é perfeito o próprio Pai” (Lumen Gentium, 11).