Devota mineira, Floripes Dornelas de Jesus – a Lola – é uma das figuras mais populares no catolicismo mineiro. Conhecida pelos relatos de que teria vivido 60 anos alimentando-se apenas da Eucaristia, ela pode ter seu processo de beatificação finalmente iniciado em 2025, vinte anos depois de ser declarada Serva de Deus.

Nascida em 1911, na cidade de Mercês, Zona da Mata Mineira, Lola mudou-se ainda criança para Rio Pomba, onde toda a sua trajetória de fé se consolidou. Aos 16 anos, após cair de uma árvore, sofreu uma grave lesão na coluna que a deixou tetraplégica. Acamada, viveu mais de oito décadas na mesma casa, recebendo fiéis, padres e pessoas que buscavam consolo espiritual. Faleceu em 1999, aos 88 anos.
Mesmo diante das limitações físicas, destacou-se pela fé intensa e pela vida de profunda oração. Relatos de peregrinos, religiosos e familiares afirmam que Lola adquiriu o hábito de comungar diariamente e, com o tempo, teria passado a se alimentar exclusivamente da hóstia consagrada. Também são frequentes narrativas de que ela quase não dormia e permanecia longas horas em contemplação diante do sacrário instalado em seu quarto – elementos que despertaram forte devoção popular e interesse religioso.
Além disso, muitas pessoas relatam ter recebido graças, curas e sinais atribuídos à sua intercessão. Histórias de quase morte, visões espirituais e previsões também cercam sua trajetória, reforçando a fama de santidade construída ao longo do século XX.
Um processo esperado há 20 anos
O processo de beatificação de Lola foi autorizado em 2005, a pedido de Dom Luciano Mendes de Almeida, então presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e grande entusiasta da causa. Contudo, segundo o atual postulador, Pe. Rodney Reis, o processo não avançou devido a questões internas ocorridas em Rio Pomba, que não foram detalhadas publicamente. Agora, quase vinte anos depois desse primeiro passo, o cenário parece ser outro.
A Arquidiocese de Mariana, responsável pela paróquia de Rio Pomba e pelo encaminhamento da causa, confirmou que não é possível determinar um prazo para o andamento do processo. Isso porque a beatificação depende diretamente da comprovação de um milagre reconhecido pela Igreja – etapa determinante nos casos de candidatos a santos.

A beatificação é a fase que antecede a canonização. Antes de ser proclamada Beata, a pessoa deve ter suas virtudes heroicas reconhecidas e um milagre comprovado cientificamente como inexplicável.
No caso de Lola, o processo está sendo iniciado com base no critério das Virtudes Heroicas, reservado a pessoas que viveram de forma extraordinária virtudes como fé, esperança, caridade, prudência e temperança.
A beatificação ocorre em três etapas, sendo elas: fama de santidade, reconhecimento do venerável e comprovação do milagre.
Fama de Santidade (Fase Diocesana)
Quando o Tribunal Eclesiástico local realiza uma investigação formal sobre a vida da candidata. São colhidos testemunhos, documentos, relatos de peregrinos e escritos que comprovem que ela viveu de modo exemplar. Esta é a fase que ainda precisa ser instaurada oficialmente no caso de Lola.
Reconhecimento do Venerável (Fase Roma)
Após a conclusão da etapa local, o processo segue para o Vaticano, onde teólogos e cardeais do Dicastério para as Causas dos Santos avaliam se a pessoa viveu as virtudes cristãs em grau heroico. Se reconhecida, recebe o título de Venerável.
Comprovação do milagre
É a etapa mais criteriosa, em que médicos e cientistas analisam um suposto milagre, verificando se ele foge completamente das explicações naturais. A partir daí, teólogos examinam se o evento pode ser atribuído à intercessão direta da Serva de Deus. Só então a beatificação pode ser proclamada.
No caso de Lola, materiais históricos e relatos preservados em Juiz de Fora podem, futuramente, auxiliar o processo.
Devoção e memória
Entre os devotos da Serva de Deus, a Lola, está o Padre João Paulo Teixeira Dias, Pároco da Catedral Metropolitana de Juiz de Fora. natural de Viçosa, ele cresceu escutando histórias sobre a Serva de Deus, transmitidas por seu pai, Geraldo Dias.
“Ele falou um pouquinho do mistério da sua santidade, da sua pureza, como um testemunho de uma pessoa humilde. Meu pai era uma pessoa muito humilde, mas um homem de grande fé. Ele tinha uma grande admiração pela Lola”, conta.
A relação do sacerdote com Lola também se aprofundou graças à convivência com o Pe. Paulo Dionê Quintão, que foi um dos diretores espirituais que mais tempo a acompanhou.
Com o passar dos anos, a vida de Pe. João Paulo voltou a cruzar-se com a história de Lola. Sua sobrinha, ao estudar em Rio Pomba, passou a conviver com a família responsável por zelar pelo sítio onde ela viveu. Foi esse vínculo que permitiu ao sacerdote receber uma imagem antiga do Sagrado Coração de Jesus distribuída por Lola – e que traz, na base, uma pequena carta escrita por ela.
Em dezembro de 2023, Pe. João Paulo visitou pela primeira vez o quarto onde Lola viveu e morreu, acompanhado do Arcebispo Metropolitano, Dom Gil Antônio Moreira, que também a conheceu pessoalmente. “Destaco a espiritualidade daquele lugar, um lugar de muita oração. Eu fiquei muito tocado de ver ali a simplicidade, como posso dizer, o seu quarto, o quarto da Lola, é algo que toca profundamente. Eu me lembro que ali me ajoelhei a porta do quarto, onde tem um vidro na porta, e rezei profundamente, foi um momento muito forte, muito significativo na minha caminhada”, relata o sacerdote.

Mais recentemente, o padre recebeu um conjunto de relíquias que pertenceram à Serva de Deus: cartinhas, bilhetes, fitas do Apostolado da Oração, terços e medalhas, além de um pedaço do galho da árvore da qual Lola caiu aos 16 anos. Ele organiza e preserva todo o material com grande zelo, guardado em um relicário de vidro.
Para Pe. João Paulo, a Serva é um sinal visível da graça que nós recebemos de Deus. “Deus tem os seus mistérios e, através dos mais simples, dos mais humildes, ele fala generosamente ao nosso coração. Sua história toca profundamente o nosso coração voltado para a Eucaristia, o Cristo vivo e presente. Ali no quarto da Lola, você tem o Sacrário, onde ela, diante de Jesus, esteve, durante tantas décadas, somente em oração e recebendo a Eucaristia. Isto renova o nosso coração, principalmente o meu coração como padre, de confiar, acreditar e sempre mais amar Jesus vivo e presente na Eucaristia em cada missa que se celebra, em cada momento que possa estar diante do Senhor vivo e sacramentado”, reflete.
Participação dos fiéis no processo de beatificação
A história de Lola continua viva entre os fiéis que visitam seu túmulo no cemitério de Rio Pomba, a casa onde viveu por mais de oito décadas e o sítio que se tornou lugar de oração. A cada ano, cresce o número de pessoas que pedem sua intercessão e divulgam seus testemunhos de fé.

Embora a causa de beatificação dependa de procedimentos canônicos rigorosos, especialistas ressaltam que a participação dos fiéis é parte fundamental desse caminho. A Igreja ensina que processos assim não nascem apenas de documentos e votos de especialistas, mas principalmente da persistência da devoção popular, da fama de santidade que permanece viva e, sobretudo, da oração.
A Arquidiocese de Mariana e sacerdotes próximos à história de Lola lembram que comunidades podem contribuir de modo espiritual e concreto: rezando pela causa, pedindo graças por intercessão da Serva de Deus e registrando possíveis testemunhos de favores alcançados. Esses relatos, quando documentados, poderão futuramente auxiliar nas etapas de avaliação da Fase Diocesana ou mesmo na análise de um possível milagre.
Oração para beatificação
“Deus Pai, que revelastes as maravilhas do Reino aos pequeninos, nós vos agradecemos pelos tesouros de virtude e sabedoria que em vida concedestes a Vossa filha Florípes Dornelas de Jesus, Lola. Nós Vos pedimos, pela força do Vosso Espírito, exaltai sua humildade elevando Vossa fiel serva à honra dos altares. Concedei-nos a graça da oração e total confiança no Sagrado Coração de Vosso Filho, e na proteção materna de Maria, para que um maior número de pessoas possa tê-la como intercessora e modelo de vida cristã. Amém.”
*Com informações da Arquidiocese de Mariana, Santa Sé e arquivos pessoais do Pe. João Paulo