O dia 8 de dezembro guarda alguns marcos na história da Igreja. Entre eles, completam-se 50 anos da exortação apostólica Evangelii Nuntiandi.
O documento, publicado por São Paulo VI em 1975, tem como tema a evangelização no mundo contemporâneo. Entre alguns aspectos, o texto trata especialmente da vocação evangelizadora da Igreja, ressaltando também a importância dos meios de comunicação que já estavam a transformar a sociedade da época.
De ameaça moral a potência evangelizadora
Professor universitário e coordenador do grupo de reflexão sobre comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Moisés Sbardelotto recorda que a relação da Igreja com os meios de comunicação passou por mudanças profundas ao longo do século XX.
As cartas encíclicas Vigilanti cura (1936) de Pio XI sobre o cinema e Miranda prorsus (1957) de Pio XII sobre o cinema, o rádio e a televisão, adotavam uma postura defensiva diante dessas mídias, vistas como potenciais ameaças morais ou ideológicas. Contudo, esses documentos já apresentavam alguns sinais de reconhecimento do papel dos meios de comunicação na formação cultural da sociedade.
O grande ponto de virada se deu no Concílio Vaticano II, quando foi publicado o decreto Inter mirifica (1963). O documento reconheceu oficialmente as “maravilhosas invenções da técnica” que abriram novos caminhos para a comunicação e também para a evangelização. Com os desdobramentos pós-conciliares, a Igreja se percebeu imersa em uma cultura midiática em evolução, tornando mais evidente o processo de midiatização da religião.
Potencializar a evangelização
É nesse contexto cultural e eclesial que São Paulo VI publicou a exortação apostólica Evangelli Nuntiandi, fruto do Sínodo sobre a Evangelização realizado em 1974. Segundo Sbardelotto, o documento marca um ponto decisivo na história da relação da Igreja com os meios de comunicação, pois reconhece explicitamente o papel central que os meios de comunicação assumiram no século XX.
Além disso, o texto enfatiza a necessidade de a ação evangelizadora incorporar estes meios de modo responsável e criativo. “São Paulo VI afirma que nenhuma etapa da dinâmica evangelizadora – como o primeiro anúncio e a catequese – pode ignorar esses meios. O documento não apenas legitima seu uso, mas o considera indispensável”, afirma o professor.
A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados.
– Evangelii Nuntiandi, n. 75
Em meio às diversas vias para anunciar a Boa Nova, São Paulo VI considerou os meios de comunicação como ambientes legítimos para desempenhar a missão evangelizadora, reconhecendo sua capacidade de fazer a mensagem chegar às multidões e potencializando o alcance da evangelização.
Ao mesmo tempo, porém, o Pontífice soube discernir o alcance e a profundidade da evangelização pelas mídias. “Ele insiste que a evangelização mediada não pode se contentar com comunicar para muitos, mas precisa chegar à consciência e ao coração de cada pessoa ‘como se fosse única, com tudo aquilo que tem de mais singular’ (n. 45), a fim de obter uma adesão e um compromisso realmente pessoal”, indica Sbardelotto.
A força do testemunho
O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas.
– Evangelii Nuntiandi, n. 41
Neste contexto, surge um outro aspecto importante da evangelização: a autenticidade do testemunho cristão. “A evangelização nasce de uma mudança interior, que se manifesta primeiramente como ‘proclamação silenciosa’ (n. 21) do Evangelho por meio da própria vida”, salienta o professor.
“Para o documento, evangelizar não é simplesmente transmitir doutrinas, mas compartilhar a própria experiência de encontro e de seguimento de Cristo”, prossegue Sbardelotto. “Isso implica adotar formas de comunicação que dialoguem com as linguagens culturais contemporâneas”, acrescenta.
*Fonte: Canção Nova