São Francisco de Assis, ao abraçar por inteiro o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, encantou-se de forma particular pela pobreza do Filho do Deus ENCARNADO em Belém, pelo intenso amor e dor vividos no mistério da CRUZ e pela humildade sublime com que se faz diariamente presente entre nós no mistério da EUCARISTIA.
Neste Ano Santo de 2025, enquanto “Peregrinos da Esperança”, somos convidados ao perdão, à reconciliação e a renovação espiritual, particularmente na participação do Mistério do Corpo do Senhor, a Eucaristia. Este é um tempo favorável para fortalecer a fé, a esperança e o amor, especialmente em um mundo que enfrenta tantos desafios e incertezas diante da crueldade brutal dos fabricantes das recentes guerras. Guerras que ferem o Corpo do Senhor nos corpos humanos e matam implacavelmente a vida da nossa Mãe Terra quando, agradecidos, recordamos os 800 anos a composição do Cântico das Criaturas e proclamamos a profunda interdependência de todas as criaturas, eucaristicamente interligadas no “altar cósmico”.
Celebrar a Eucaristia, caminhar processionalmente com o Cristo Eucarístico é trazer ao tempo presente as sábias palavras pronunciadas pelo Papa Leão XIV do dia da sua eleição e aparição na sacada do Vaticano: “Olhem para Cristo. Acolham a sua Palavra que ilumina e consola! Escutem a sua proposta de amor para se tornar a sua única família. No único Cristo somos um… Irmãos, irmãs, esta é a hora do amor”.
Eucaristia: o pão nosso da presença diária do Filho de Deus
Francisco de Assis, ao concluir seu pequeno tratado acerca do “Corpo do Senhor” (Eucaristia), assim se expressa na 1ª Admoestação: “E, desta maneira, o Senhor está sempre com os seus fiéis, como ele mesmo diz: Eis que estou convosco até o fim dos tempos” (cf. Mt 28,20). Ao dizer “desta maneira”, Francisco está afirmando que é eucaristicamente que o Senhor se faz presença diária na vida das pessoas que o acolhem com o ocular espiritual. O Filho de Deus vem a nós de forma humilde na materialidade do pão e do vinho, sobre o altar e através das mãos sacerdotais, da mesma forma como um dia necessitou da materialidade do “útero da Virgem” (Adm. 1,16). Humilde, porque veio do trono real para tornar-se visível sobre o altar, do mesmo modo como um dia revelou-se na frágil humanidade de uma criança na gruta de Belém.
Portanto, dessa encarnação e presença diária do Filho de Deus, ou seja, “do mesmo modo”, contemplamos e comungamos com os “com os olhos espirituais” do “pão sagrado” confeccionado para nós “sobre o altar nas mãos do sacerdote” (cf. Adm 1,14-21). Em outro texto, na Carta a toda a Ordem, Francisco se extasia da grandiosidade desse mistério: “Pasme o homem todo, estremeça o mundo inteiro, e exulte o céu, quando sobre o altar, nas mãos do sacerdote, está o Cristo, o Filho de Deus vivo” (Ord 26).
Eucaristia, pão consagrado pela Palavra
Encanta-nos a simplicidade e a profundidade teológica de São Francisco! A pessoa do sacerdote e suas mãos ungidas no dia da sua ordenação presbiteral, são mediações que estão a serviço da Palavra do Senhor para tornar a Eucaristia presença real, da mesma forma como Maria, pelo seu Sim, tornou-se serva e mediadora da Palavra de Deus para que o “Verbo se fizesse Carne. Não é a pessoa do padre que consagra o pão sagrado, mas é a própria Palavra de Deus que se serve da mediação humana do sacerdote para consagrar. Francisco não hesita ao afirmar que “o sacramento (a Eucaristia) é santificado por meio da palavra do Senhor sobre o altar…” (Ad, 1,9). Por isso adverte os sacerdotes da Ordem: “Considerai a vossa dignidade, irmãos sacerdotes, e sede santos porque ele é santo” (Ord 23). E ainda, na Carta aos Clérigos: “Estejamos atentos todos nós, clérigos, ao grande pecado e ignorância que alguns têm para com o Santíssimo Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo e para com os seus sacratíssimos nomes e palavras estritos que santificam o corpo. Sabemos que não pode estar presente o corpo de Cristo, se não for antes santificado pela palavra” (1Cl 1-2).
Este ocular de fé é um diferencial na vida de Francisco de Assis. Ao escrever-nos o seu Testamento, ele recorda que, para além das possíveis fragilidades humanas, deseja ver (enxergar) nos sacerdotes aquilo que lhes é próprio na sacralidade do ministério: “O Senhor me deu tanta fé nos sacerdotes que vivem segundo a forma da santa Igreja romana por causa da ordem deles”. Por causa da ordem os reverencia, obedece, teme, ama e honra como a seus senhores porque, afirma, “nada vejo corporalmente neste mundo do mesmo altíssimo Filho de Deus, a não ser o seu santíssimo Corpo e seu santíssimo Sangue que eles recebem e só eles ministram aos outros” (cf. Test. 6-13).
Eucaristia, alimento e partilha na “casa do pão” (Belém/Greccio)
Frei Tomás de Celano, ao recordar a presença de São Francisco em Greccio no Natal de 1224, leva-nos a aprofundar a unidade entre o mistério da Encarnação e a Eucaristia: “Ali (em Greccio) se honra a simplicidade, se exalta a pobreza, se elogia a humildade; e de Greccio se fez como que uma nova Belém” (1Cel 85). O Pão Vivo encarnado na “casa do pão” (significado do nome Belém), visualizado em Greccio por Francisco, transforma-se em altar naquela pequena e improvisada gruta: “Celebra-se a solenidade da missa sobre o presépio, e o sacerdote frui nova consolação” (1Cel 85), e ainda: “Finalmente, o lugar do presépio foi consagrado como templo do Senhor, e em honra do beatíssimo pai Francisco construiu-se sobre um presépio um altar, e dedicou-se uma igreja, para que, onde uma vez os animais comeram forragem de feno, aí doravante os homens comam, para a salvação da alma e do corpo, a carne do cordeiro imaculado e não contaminado, Nosso Senhor Jesus Cristo” (1Cel 87).
A Eucaristia deve provocar em todas as pessoas a necessidade de atitudes e de gestos eucarísticos, particularmente quando este Menino Jesus, Pão da Vida, “está relegado ao esquecimento no coração de muitos” (1Cel 86). Por isso, mais tarde, o mesmo Biógrafo aprofunda sua reflexão, colocando na boca de São Francisco estas palavras: “No dia em que o Menino nos foi dado, quero que até as paredes comam carne e, se não podem, que ao menos sejam esfregadas com carne por fora” (2Cel 199). E mais: “Queria que nesse dia os pobres e famintos fossem saciados pelos ricos e que aos bois e aos burros fossem concedidos ração e feno mais do que de costume… que os pássaros tivessem fartura, principalmente as irmãs cotovias” (2Cel 200). Esta lei geral, sonhada por Francisco para o dia do Natal do Menino Jesus, reflete o coração do Filho de Deus que se compadeceu da multidão faminta, convocando todas as pessoas a buscarem o pão da vida, o alimento que permanece até a vida eterna” (cf. Jo 6, 22-52).
Assim, para além da devoção Eucarística, Francisco e sua fraternidade abraçam a cruzada Eucarística proposta pela Igreja, convidando todas as pessoas à comunhão sacramental do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo para “produzir dignos frutos de penitência” (1Fi 4).
Para concluir, vale recordar um singelo episódio do cotidiano da vida no Mosteiro de São Damião, segundo o testemunho da Irmã Cecília no Processo da Canonização de Santa Clara: “Disse que um dia as Irmãs só tinham meio pão, pois a outra metade tinha sido mandada aos frades que estavam ali fora. A senhora mandou a testemunha que cortasse cinquenta fatias e as levasse para as Irmãs, que tinham ido à mesa. Então a testemunha disse a dona Clara: “Para tirar cinquenta fatias disto, seria necessário aquele milagre do Senhor, dos cinco pães e dos peixes”. Mas a Senhora respondeu: “Vá fazer o que lhe disse”. E o Senhor multiplicou aquele pão, de modo que rendeu cinquenta fatias boas e grandes, como Santa Clara tinha mandado” (PC 6,16).
Portanto, eucaristicamente o Senhor se faz presente no cotidiano da nossa vida quando nós mesmos fatiamos “o pão de nosso de cada dia” com os que tem fome e quando nós mesmos nos alimentamos do pão rezado por São Francisco na Paráfrase ao Pai-Nosso: “O pão nosso de cada dia: vosso dileto Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, dai-nos hoje” (PN 6). Por um mundo mais eucarístico e que o pão não falte na mesa dos pobres!
*Por Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM
**Fonte: Vatican News
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